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Relatos de Experiência

Combate à pandemia de COVID-19: relato de experiência na Direção do Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença de Gouvêa, na Mooca

Problema/Situação:

A doença COVID-19 é uma Zoonose, causada pelo vírus SARS-CoV-2, que se caracteriza, nas suas manifestações mais graves, por uma síndrome respiratória aguda importante.

Este Vírus, SARS-CoV-2, pertence à família dos Coronavírus, conhecido desde a década de 60 do Século passado e responsável por algumas epidemias, como a causada no começo deste século, que se disseminou para vários países, em diversas regiões do mundo, causando quase mil mortes, mortes, antes de ser controlada em 2003. De 2004 até 2019, não tivemos registro de nenhuma pandemia causada por algum tipo de SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome), mas, certamente, os diversos tipos de vírus da família SARS ficaram circulando, sofrendo mutações e provocando, em várias partes do planeta, síndromes respiratórias agudas não identificadas adequadamente. Em 2012, foi identificado um tipo de vírus da família, denominado MERS (Middle East Respiratory Syndrome), por ter ficado restrito ao Oriente Médio. As pessoas de outras partes do mundo que contraíram a doença tinham histórico de visita à região.

Chegamos ao final do ano de 2019 com as primeiras infecções e, até o atual momento, não sabemos, com certeza, qual animal é o portador/transmissor do SARS-CoV, apesar de ter indicações, mais aceitas, identificando um tipo de morcego como primeiro portador. O que se sabe é que o SARS-CoV-2, até há bem pouco tempo, não havia infectado humanos. Os primeiros casos surgiram em Wuhan, na China, e o vírus foi classificado com uma zoonose. A infecção espalhou-se rapidamente. Em janeiro de 2020 já se tratava de um surto chamado de Novo Coronavírus e pouco tempo depois este vírus passou a infectar e a matar pessoas em vários países do mundo. No mês de março de 2021, apenas 4 meses depois do reconhecimento do vírus como uma zoonose, a OMS, Organização Mundial da Saúde, decretou que vivíamos uma pandemia do Novo Coronavírus e que todos os países deveriam tomar medidas para combatê-la. O combate à pandemia variou de país para país, entre grupos com diversos pensamentos acadêmicos e, infelizmente, em alguns lugares do mundo, incluindo o Brasil, ganhou um caráter ideológico e mesmo religioso. Cheguei a afirmar em um debate que a Ivermectina não é de direita nem de esquerda, é sim uma excelente droga para tratar escabiose.

O mais importante, no entanto, é que sob orientação das autoridades sanitárias mundiais e os esforços de cada país, a humanidade criou, em pouco tempo, as condições para conter o SARS-CoV-2. Medidas foram estabelecidas, a fim de criar barreiras para evitar a transmissão do vírus, como afastamento social, restrição da circulação das pessoas, uso de máscara; houve tentativas de formulação de um tratamento químico associado aos cuidados aos pacientes e investimentos financeiros e intelectuais, com rapidez na troca de informação pela comunidade científica, para a produção de vacinas. Em conjunto, essas ações criaram as condições para que a contenção da pandemia do SARS-CoV-2 fosse melhor equacionada do que os enfrentamentos feitos a outras pandemias, como a Peste Bubônica e a chamada (erroneamente) gripe espanhola, entre outras.

Mesmo no Brasil, onde o presidente e alguns grupos influentes na sociedade dissentiram ativamente da forma orientada pelas autoridades sanitárias de combate à pandemia, o bom senso prevaleceu, e o Brasil, apesar do governo de então, tomou a dianteira, no que foi possível, para vencer o Coronavírus.

O vírus SARS-CoV-2 tem alta infectividade e baixa patogenicidade, esta característica permitiu que grupos desinformados ou mal intencionados, competissem com a comunidade científica e com as autoridades sanitárias na orientação da população. A maioria dos infectados não apresenta sintomas ou tem apenas sintomas leves, isso dava uma falsa credibilidade ao uso de drogas inócuas por parte da população e à desobediência ativa às normas necessárias para criar barreira para o vírus. Isto favoreceu tanto o surgimento de diversas cepas do vírus por mutações como a ampliação da pandemia. Até o advento da vacina, a letalidade da Covid-19 excedia a 2,5%, isso levou a termos um volume imenso de infectados e, por conseguinte, um número absurdo de óbitos que poderiam ter sido evitados. Infelizmente, ainda hoje existe campanha contra a vacina e um número considerável de pessoas que não tomou a quinta dose. Isto, para além de surreal, é muito preocupante.

Enquanto Diretor Técnico do Hospital Municipal da Mooca, vivi o drama da pandemia Covid-19. Desde o início de 2020 este hospital foi referência para o tratamento de casos da doença. Vivenciei, à frente do Hospital, três fases marcantes da pandemia.

A primeira, quando os médicos, no mundo inteiro, usaram diversas drogas “off label” (uso farmacêutico de droga não homologada pela autoridade legal). O SARS-CoV-2 nunca tinha atacado humanos, não sabíamos nem que ele existia; foram usadas a cloroquina, a ivermectina e outras drogas que, logo comprovou-se mundialmente, não tinham nenhum efeito antiviral. As autoridades sanitárias do Brasil ainda estavam sem saber direito o que fazer, apesar de a OMS ter sido ágil na orientação.

A segunda, quando ficaram estabelecidos, de forma sistemática, o uso de máscara para a população, o isolamento social, as medidas restritivas às aglomerações, etc. No Hospital da Mooca, não foi permitido nenhum ato fora do protocolo. Além das medidas sociais para criar barreiras ao vírus, os médicos se fixaram em atender precocemente os doentes, isolá-los o máximo possível, prescrever as drogas de uso off label, corticoide, anticoagulante, azitromicina, fornecer oxigênio, entre outros cuidados que o caso necessitasse.

A terceira, foi o período da vacinação. No início, como não tínhamos vacina para todos, fora administrada por grupos, primeiramente os idosos, os trabalhadores da saúde e grupos de risco: sentimos, ao mesmo tempo, a alegria e a tristeza, ambas profundas. As internações e óbitos que antes eram principalmente de idosos, passaram a ser dos mais jovens, a pandemia aumentava. Alguns vacinados contraiam a doença, mas não evoluíam para casos graves, já os demais… Tragédia, hospitais lotados, número de intubados, casos graves e óbitos continuavam a crescer na medida em que o vírus infectava mais pessoas, só que agora morriam os mais novos que não tomaram a vacina. Quanta angústia! Sabíamos que se as pessoas fossem vacinadas a possibilidade de não apresentarem casos graves era bem maior. Foi um momento difícil, a combinação da alegria e da esperança de termos vacina para todos e vencermos a pandemia e a angústia de pensarmos: quanto tempo ainda vamos conviver com esta brutalidade. Era difícil ouvir alguém dizer que a vacina não servia para nada e pior ainda era ouvir as falas de alguns poderosos da época. Conversei com uma pessoa, na cidade de Poá, que me apresentou uma “grande novidade”, me sugeriu experimentar no hospital. Ele e a família vinham tomando babosa e nenhum ente havia adoecido. Ele não entendia que a maioria das pessoas que contraía o vírus não tinha sintomas e que alguns da família dele poderiam ser parte dos hospedeiros que o vírus precisava para infectar mais gente e se multiplicar. Nem me irritei com a conversa, ele e o Brasil viviam a dramática situação expressa nas falas de alguns Ministros e mesmo do Presidente da República.

O presidente Bolsonaro, usou a sua capacidade política, para mobilizar uma parte do povo brasileiro para resistir a qualquer conduta que pudesse conter a pandemia. Desde o início, tumultuou a possibilidade de o Brasil combater o vírus. Chegou de forma risível, se não fosse trágica, a dar caráter ideológico à Ivermectina e receitar cloroquina pela televisão, para não falarmos das concentrações de populares e do combate aberto à vacinação.


Objetivos/Resultado esperados:

A prioridade era combater a pandemia como mandava a orientação do Secretário de Saúde da cidade de São Paulo, Edson Aparecido, e assim reduzir significativamente o número de internações e óbitos.


Recursos:

Equipes na Diretoria e Gerências, conjunto de trabalhadores do Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença e Gouvêa da Secretaria da Saúde do município de São Paulo.


Resultados alcançados/Impactos:

A Pandemia demonstrou a importância do SUS, uma vez que surgiu inesperadamente. No Brasil, além dos problemas com o governo federal, das complexidades pela dimensão do território, das grandes diferenças sociais e diferenças regionais, um olhar apressado diria que o Brasil viraria um caos. Talvez, em Manaus, tenhamos vivenciado o caos. Porém, o corpo da comunidade da saúde e a estrutura do SUS se agigantaram diante da medonha pandemia. Só foi possível reagir, como reagimos em vários Estados, e termos a CoronaVac distribuída e aplicada nas pessoas pelo Brasil afora, depois as outras vacinas, as vitórias com Hospitais de campanha e estrutura para oferecer um atendimento digno a todos, graças ao SUS, quem era contra ficou a favor. O Sistema Único de Saúde, impessoal, acima de ideologia ou condição social. Somente o SUS poderia responder às necessidades de atenção à saúde das milhões de pessoas com suspeita de covid. A existência do SUS permitiu ao Brasil que todos tivessem acesso adequado a um atendimento.

No combate à Pandemia em São Paulo, merece registro a conduta do governador Dória, sua firmeza em se deixar guiar pela ciência e pelas autoridades sanitárias, entendendo que se tratava de uma pandemia e não cabia, neste caso, vacilações ou invenções fora do protocolo. O Instituto Butantan viabilizou a primeira vacina usada no Brasil e as orientações do governo para o Estado de São Paulo foram importantes para o sucesso na luta contra o vírus.

Na cidade de São Paulo, o Prefeito Bruno Covas, que infelizmente não está mais entre nós, e o Secretário Edson Aparecido foram muito importantes para o combate da pandemia. Ao traçar planos e viabilizar as condições para combatermos a COVID. São Paulo foi um dos epicentros da COVID no Brasil, mas aqui não faltaram leitos de UTI, atendimento na rede básica, insumos e ações para enfrentar a pandemia.

Para mim, foi uma honra ser Diretor Técnico de um Hospital referência de combate a COVID e poder contar com uma equipe na Diretoria, nas gerências e no conjunto dos trabalhadores do hospital que viabilizaram todas a ações que competiam o nosso âmbito de atuação.

Superamos a pandemia COVID-19 e precisamos nos preparar para as próximas.


Desafios:

No Hospital, não foi fácil segurarmos as restrições às visitas, impedirmos a entrada de parentes querendo circular no interior do prédio e ver seus entes queridos acamados, situação muito difícil; alguns religiosos, uns desejando falar mais alto que Deus, queriam benzer leitos ou fazer cultos. Mesmo assim, no Hospital da Mooca, não foi permitido nenhum ato fora do protocolo.

Contudo, esse período também nos deixou um legado de desafios. Temos muito o que estudar e aprender com esta pandemia, ainda não está claro como o vírus se acomodará, qual tipo de vacinação será necessária, quais os impactos e tipos de sequelas deixadas pelo vírus e quais lições a sociedade humana assimilará no futuro próximo. A pandemia acabou, mas o SARS continua circulando.


Lições aprendidas:

Nenhum evento marcou mais o nosso país, e talvez o mundo, neste Século XXI, do que a pandemia COVID-19. Os impactos social, político e econômico deixarão marcas indeléveis. O comportamento da humanidade mudou, de um lado a pandemia deixou uma imensa crise econômica, com falências e mudanças nos padrões de negócios e trabalho aos quais ainda não nos adaptamos. Hoje, várias empresas trabalham em home office, escolas funcionam uma parte em EAD, etc, de outro lado, como acontece em todas as crises, o homem procura o jeito para progredir. O desenvolvimento deste quadro de pandemia, apesar de bastante estudado, vem acompanhado de avanços inestimáveis nas ciências, como a produção, em tempo recorde, de vacinas, inclusive com o surgimento novas tecnologias antes impensáveis nas Ciências Biomédicas, a produção científica e troca de informações em tempo real projeta avanços imprevisíveis, com importantes desdobramentos para a saúde coletiva brasileira e mundial, para as ciências sociais e para a economia neste futuro próximo. Ainda é cedo para avaliarmos todas as mudanças que ficarão para sempre na sociedade. Com o tempo as pessoas vão esquecendo, esmaecendo o sofrimento. Não existe, no Brasil, uma pessoa sequer que não perdeu um parente ou um amigo vítima da COVID; ninguém que viveu a pandemia a esquecerá por completo.

Observamos, hoje, mudanças que parecem singelas, os restaurantes têm álcool a 70%, parte das pessoas, quando gripadas, usam máscara, o trabalho à distância foi generalizado, entre outras. Houve mudanças profundas nas Instituições de Saúde. Sabemos que teremos outras e que cada vez mais nos preparamos para enfrentá-las.

A pandemia também mostrou o quão injusto é o nosso país, a diferença social é grande e este tema horizontalmente perpassa qualquer assunto que possamos debater. Fiquemos na saúde, quando não tínhamos a vacina e a orientação era o isolamento social, um idoso rico poderia se mudar para uma grande casa de praia, mas idosos que, mesmo aposentados, ajudam a criar os netos eram obrigados a vender doces ou outros produtos no semáforo. E como manter um certo distanciamento, quando a habitação é um cortiço e em um cômodo convive toda família? Dados do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), em março deste ano, 53.188 pessoas estavam em situação de rua na cidade de São Paulo, imaginem os problemas durante a pandemia.

Deixo muitas lacunas, perguntas e expectativas que não dependem somente da Saúde ou do SUS. E deixo a certeza que deveremos procurar os caminhos para resolver estes problemas.


Acesse o relato em texto completo:
Vídeos

Equipe


Responsável:
Cândido Elpídio de Souza Vaccarezza

Filiação
Escola Municipal de Saúde - SMS-SP
Cargo
Diretor
E-mail
cevaccarezza@prefeitura.sp.gov.br
Telefone
(11) 3846-4815
Currículo


Membros:
Secretaria Municipal da Saúde – SMS-SP

Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença de Gouvêa

Outras Informações


COLEÇÃO

Secretaria Municipal da Saúde (SMS-SP)

ÁREA TEMÁTICA

Não se aplica

Situação da experiência

Concluída

DATAS

Início: 2020-03-11
Fim: 2022-03-30

PAÍS

Brasil

ESTADO/REGIÃO

São Paulo / Região Sudeste

CIDADE

São Paulo

Local

Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença e Gouvêa – Mooca

POPULAÇÃO

Usuários da Atenção Terciária à Saúde - Atenção Hospitalar

IDIOMA

Português

Descritores

COVID-19
SARS-CoV-2
Pandemias
Saúde Pública
Sistema Único de Saúde
Hospitais

Palavras-chave

Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença e Gouvêa
São Paulo (Cidade)
Secretaria da Saúde - SUS